A Simbologia da Franco-Maçonaria |
FRANCISCO
ARIZA
Tradução: Sérgio K. Jerez
Introdução
Neste trabalho dedicado à simbologia universal, não podiam faltar algumas
reflexões sobre o importante simbolismo da Maçonaria, que representa, junto à tradição
Hermética–Alquímica, a única via iniciática não religiosa que sobrevive ainda
na Europa e sua área de influência cultural. E isto é assim embora, na
atualidade, muitos maçons não conheçam – ou conhecem de forma muito limitada –
o caráter simbólico e iniciático de sua Ordem. Alguns chegam inclusive a negar
esse aspecto essencial da maçonaria, crendo que esta só persegue fins sociais e
filantrópicos. Há outros, inclusive, que só vêm na riqueza simbólica da
Maçonaria uma fonte inesgotável onde alimentar suas próprias fantasias
"ocultistas", tão em moda hoje
Devemos esclarecer que aqui se vai falar
da Maçonaria tradicional, ou seja, daquela que mantém vivos e permanentes,
através dos símbolos, dos ritos e dos mitos, os laços com as realidades
cosmogônicas e metafísicas emanadas da Grande Tradição Primordial, da qual a
Maçonaria é (em verdade) uma ramificação. No nosso entender, e considerada
desta maneira, a Maçonaria, igual a qualquer outra organização tradicional,
oferece ao homem caído e ignorante os elementos necessários para levar a cabo
sua própria regeneração e evolução espiritual. A estrutura simbólica e ritual
da Maçonaria reconhece numerosas heranças procedentes das diversas tradições
que foram se sucedendo no Ocidente durante, pelo menos, os últimos dois mil
anos. E este feito, longe de aparecer como um mero sincretismo, revela nesta
Tradição uma vitalidade e uma capacidade de síntese e de adaptação doutrinal
que lhe valeu o nome de "arca tradicional dos símbolos".
Todas essas heranças foram se integrando com
o transcorrer do tempo no universo simbólico da Maçonaria, amoldando-se a sua
própria idiossincrasia particular. Procedendo de uma tradição de construtores,
não deve parecer estranho que a Maçonaria desempenhe a função de arca
receptora, pois precisamente a construção ou edificação não tem outra função
além de pôr "a coberto" ou "ao abrigo" da intempérie ou
inclemência do tempo; mas, analogamente, quando se entende a construção como
algo sagrado —e este é o caso— está claro que esta não faz outra coisa senão
proteger, e separar, do mundo profano (as trevas exteriores) tudo aquilo que
corresponde ao domínio estritamente espiritual e metafísico. Por outro lado,
este é precisamente o papel dos símbolos que aludem às idéias de receptividade
e concentração, como a própria arca, o cálice, a caverna ou o templo. Sendo,
como dissemos, uma via iniciática de origens artesanais, a Maçonaria teve uma
especial sensibilidade com relação a todas as correntes tradicionais com as
quais entrou em contato.
Assim, dentre essas correntes merecem
destaque, além do Hermetismo, as que procedem do Cristianismo, do Judaísmo e da
antiga tradição greco–romana, e, mais concretamente, do Pitagorismo. Também
poderíamos mencionar a ainda mais antiga tradição egípcia, sobretudo no que se
refere aos símbolos cosmogônicos relacionados com a construção, pois, como é
sabido, o antigo Egito é, na realidade, um dos centros sagrados de onde surgiu
grande parte do saber que contribuiu para dar forma, com sua influência sobre
os filósofos gregos, à concepção do mundo que é própria da cultura ocidental.
De todo modo, a herança egípcia é transmitida à Maçonaria através,
fundamentalmente, da Alquimia hermética e do Pitagorismo. Não obstante, disso
que dissemos não se deve concluir que a Maçonaria seja o "resultado"
da confluência de todas essas tradições. Se fosse assim, a Maçonaria viria a
ser uma espécie de colagem ou museu arqueológico onde teriam abrigo todas as
relíquias do passado encontradas aqui e acolá, e catalogadas segundo sua respectiva
antigüidade.
Evidentemente não é isso que queremos
dizer quando falamos da herança multi-secular recebida pela Maçonaria. Cada
tradição é legitimada e conformada por uma "revelação" de ordem
divina acontecida em um tempo mítico, a-histórico e atemporal. Tal revelação é
"única" para cada forma tradicional que se constitui a partir dela,
dando-lhe seu "selo" ou "marca" particular, sua estrutura,
e, portanto, uma função e um destino a cumprir no cenário do tempo da história.
Ocorre, por quaisquer circunstâncias, que
uma tradição receba de outra (ou outras) determinadas influências por contato
ou similitude, o que muitas vezes foi inevitável e até necessário. Mas de
nenhum modo isto que dizer que uma tradição se "transforme" em outra,
pois, como ocorre com qualquer ser vivo, cada uma compreende um nascimento, um
desenvolvimento, uma maturidade, e finalmente, uma morte. Aquilo que se
convencionou chamar de "Unidade Transcendente das Tradições", é bem
diferente de uma simples "uniformidade". Significa, fundamentalmente,
que todas - e cada uma delas - procede de uma fonte única (a Tradição
Primordial), que se manifesta não na forma ou roupagem que possam adotar por
circunstâncias de tempo e de lugar, mas, precisamente, no que constitui a
"sabedoria perene" contida no núcleo mais interno e central de cada
tradição. O que ocorre com respeito à Maçonaria é que esta não possui um
caráter religioso, o que tornou possível sua adaptação a todas as tradições,
religiosas ou não, com as quais se relacionou ao longo da história.
Sua simbologia iniciática, demonstrada na
arte da construção, entre outras coisas lhe serviu de cobertura protetora, ao
mesmo tempo em que lhe permitiu amoldar-se a qualquer "dogma"
religioso ou exotérico sem entrar em conflito com ele. Temos um exemplo disso
nas relações que, durante toda a Idade Média ocidental, a Maçonaria manteve com
o poder eclesiástico e com as diversas organizações iniciáticas do esoterismo
cristão. Por outro lado, se a Maçonaria, com esse espírito de fraternidade e
tolerância que a caracteriza, não houvesse acolhido em seu seio essas diversas
heranças, estas, com toda segurança se haveriam perdido definitivamente. E foi
possivelmente essa capacidade receptora que contribuiu para fomentar essa ilusão
de sincretismo que erroneamente alguns lhe atribuem. É precisamente o
contrário, pois a Maçonaria ao "reunir o disperso" não fez nada além
de conservar em suas estruturas simbólico–ritualísticas a "memória"
dessas múltiplas heranças, cumprindo com isso um papel "totalizador"
que tem sua razão de ser (e uma razão de ser profunda) neste final de ciclo que
estamos vivendo. Neste sentido, e da mesma forma que na "arca" de Noé
foram guardadas, para que não perecessem, todas as "espécies" que
deviam ser conservadas durante o cataclismo ocorrido entre dois períodos
cíclicos, a "arca" maçônica também acolhe tudo o que de válido deve
conservar-se - até que, por sua vez, o ciclo presente termine - e que
constituirá os "germens" espirituais que se desenvolverão durante o
transcurso do futuro ciclo.
Particularmente esta função
recapituladora assumida pela Maçonaria tradicional faz pensar que ela
subsistirá até a consumação do ciclo, o que, por outro lado, e como assinala um
autor maçom, "... está expresso simbolicamente pela fórmula ritual segundo
a qual a Loja de São João está no vale de Josafá", que, acrescentamos, é
onde simbolicamente terá lugar o que no Cristianismo se denomina o "Juízo
Final". "No mesmo sentido, também se diz que a Loja maçônica
permanece"... "na mais alta das montanhas e no mais profundo dos
vales", aludindo com isso ao começo do ciclo (quando o Paraíso se
encontrava no topo da montanha do Purgatório) e ao seu final (quando a Verdade
do conhecimento, representada pelo estado edénico, "fechando-se" em
si mesma, se fez invisível à maioria dos homens, ocultando-se no "mundo
subterrâneo"). Há que se dizer, para completar esta simbologia cíclica,
que o vale corresponde à caverna, que por estar no interior da montanha se
situa por sobre um mesmo eixo que conecta a cúspide de uma com a base da outra,
unindo desta maneira o mais "alto" (ou princípio) com o mais
"baixo" (ou final).
Dito isso, que cremos foi necessário para
aclarar certas confusões que existem em torno da Maçonaria, tentaremos
explicar, a seguir, algumas dessas heranças simbólicas que esta Ordem recebeu
de outras formas tradicionais, ainda existentes ou já desaparecidas. Do
Hermetismo a Maçonaria recolhe, em parte, a riqueza da simbologia alquímica,
que inclui os ensinamentos e vivências dos processos de transmutação
psicológica que levam do estado profano à realização espiritual.
O simbolismo dos elementos, relacionado
com as energias purificadoras da natureza, é de suma importância no rito da
iniciação maçônica. Neste sentido, a "Câmara de Reflexão" maçônica
vem a ser o mesmo, e cumpre idêntica função simbólica que o athanor hermético:
um espaço fechado e íntimo onde se produzem as mudanças de estados
regenerativos exemplificados pela gradual "sutilização" da matéria
densa e caótica do composto alquímico. Igualmente, os diversos objetos
simbólicos que se encontram na "Câmara de Reflexão" são quase todos
de origem alquímica e hermética, como por exemplo, as três taças contendo
enxofre, mercúrio e sal, sem esquecer das siglas V.I.T.R.I.O.L. e a bandeirola
com as palavras "Vigilância e Perseverança", as quais se referem ao
estado de vigília permanente e paciência de que deve armar-se o alquimista em
suas operações.
Por outro lado, existem
interessantíssimas analogias entre o processo de transmutação da "matéria
caótica" alquímica e o desbastar da "pedra bruta" na Maçonaria,
pelo que se pode fazer uma transposição totalmente coerente entre o simbolismo
alquímico e o simbolismo construtivo e arquitetônico. Dessa maneira, a iniciação
hermético–alquímica está presente por igual nos três graus maçônicos (de
aprendiz, companheiro e mestre), que reproduzem as três etapas da "Grande
Obra", que incluem uma morte, um renascimento e uma ressurreição,
respectivamente. Enfim, as leis herméticas das correspondências e analogias
entre o macro e o microcosmo estão resumidas e sintetizadas no esquema geral do
templo ou Loja maçônica, verdadeira imagem simbólica do mundo.
Se a Tradição hermética deixou seus
vestígios na Maçonaria, os deixados pelo Pitagorismo não são menos importantes,
e até poderíamos dizer que é, junto com o judaico–cristianismo, uma das mais
significativas, até o ponto de não ser possível compreender o que é a Maçonaria
sem essa referência pitagórica. Numerosos símbolos maçônicos denotam sua procedência
pitagórica, ou, pelo menos, mostram uma identidade palpável com alguns dos
símbolos mais importantes da confraria fundada pelo mestre de Samos. É o caso,
por exemplo, da conhecida "estrela pentagramática" ou pentalfa, de
suma importância na simbologia do grau de companheiro (onde recebe o nome de
"estrela flamejante"), e que os pitagóricos consideravam como seu
signo de reconhecimento e um emblema do homem plenamente regenerado. Mas é na
aritmética sagrada, ou seja, na simbologia dos números em sua vertente
cosmogônica e metafísica, onde se observa mais claramente a presença do
pitagorismo na Maçonaria.
Ambas as tradições dão ênfase ao sentido
qualitativo dos números, por sua vez estreitamente vinculado ao simbolismo
geométrico, que também, por seu lado, está diretamente relacionado com a
construção do templo exterior e do templo interior. Neste sentido, deve ser
notado que, no frontão da Academia de Atenas, Platão fez gravar uma inscrição
que rezava: "Que ninguém entre aqui se não é geômetra", sentença que
unanimemente se atribui aos pitagóricos, e que poderia perfeitamente estar
gravada no pórtico de entrada da Loja maçônica. Do mesmo modo, a Unidade ou
Mônada divina estava simbolizada entre os pitagóricos por Apolo, o deus
geômetra primordial que, mediante a "lei invariável do número" que
extrai dos acordes musicais de sua lira, estabelece o modelo ou protótipo pelo
qual se rege a harmonia da vida universal.
E não é, no fundo, o Grande Arquiteto
maçônico, que com o esquadro e o compasso determina a estrutura e os limites do
céu e da terra, da mesma forma que o Apolo pitagórico?
No que se refere ao Cristianismo, é
indubitável que dele procedem numerosos e importantes elementos doutrinais
integrados na simbologia e no ritual maçônicos. Esta integração se viu
favorecida pela convivência que, durante praticamente todo o período Medieval,
os grêmios de construtores mantiveram com as ordens monásticas e de cavalaria,
especialmente a dos templários. Questionar ou desconhecer este aspecto cristão
tanto da antiga como da atual Maçonaria, é privá-la de uma parte essencial de
sua própria identidade tradicional, além de demonstrar com isso uma ignorância
completa sobre o esoterismo cristão, que é, precisamente, o que, em grande
medida, foi absorvido pela Ordem maçônica. Só um dado, porém sumamente
significativo: os santos padroeiros e protetores da Maçonaria são os dois São
João, o Batista e o Evangelista, e como já se disse a Loja é denominada
"Loja de São João".
À presença hermética, pitagórica e
cristã, há que se acrescentar a da tradição judaica, surgida do tronco de
Abraão da mesma forma que o Cristianismo e o Islã. A tradição hebraica
transmitiu à Maçonaria fundamentalmente os mistérios relativos às
"palavras de passe" e às "palavras sagradas", todas elas procedentes
do Antigo Testamento, se bem, é verdade, que também se encontram palavras e
nomes sagrados de origem cristã, concretamente nos que se denominam os
"altos graus" maçônicos. De certo modo, na Maçonaria confluem a
Antiga Aliança e a Nova Aliança formadoras do judaico–cristianismo, que se
constituiu em uma só tradição durante os períodos mais florescentes da Idade
Média. Não é exagero afirmar que essa constituição foi possível graças à
própria Maçonaria operativa, que neste sentido desempenhou um autêntico
trabalho de "ponte", muito especialmente no que se refere ao âmbito
da construção e da arquitetura. Como mais adiante teremos ocasião de assinalar,
as palavras de passagem e as palavras sagradas se relacionam com a busca da
"Palavra perdida", busca que concentra em grande parte o trabalho de
investigação simbólica do maçom. Igualmente, a concepção simbólica da Loja
–como o templo cristão–, está baseada no desenho geométrico do templo de
Jerusalém (ou de Salomão), e o arquiteto que dirigiu as obras deste templo, o
mestre Hiram, passa a ser um dos míticos e legendários fundadores da Maçonaria.
Depois deste quadro geral, no qual muito
superficialmente apontamos quais, a nosso juízo, são as mais significativas
influências tradicionais presentes na Maçonaria, vamos ver na continuação,
sobre o plano da história, de que forma essas influências penetraram e se
converteram em parte constitutiva desta tradição. E, se bem que não tratemos
aqui especificamente da história da Maçonaria, pensamos que trazer à memória
certos feitos históricos talvez pudesse fazer-nos compreender em maior
profundidade alguns símbolos maçônicos que, de fato, se forjaram à luz dessas
múltiplas heranças. Além disso, a história é também uma simbologia sagrada
ligada ao porvir cíclico e ao destino dos homens e das civilizações.
Uma história simbólica
Devemos nos situar, pois, nessa época crucial da história da Europa e do
Ocidente que foi, sem dúvida, a Idade Média. Ali encontramos nos grêmios, ou
agrupamentos de construtores conhecidos como os free–masons ou franc–maçons ,
que por estarem isentos do imposto alfandegário podiam viajar e deslocar-se
livremente por todos os países da cristandade. Dessa liberdade de movimento é
que lhes era dado, em parte, o nome de "franc–maçons", que quer dizer
"pedreiros, ou construtores, livres".
Dissemos "em parte", porque,
como acertadamente escreve Christian Jacq:
O "franc-maçon" é o escultor da pedra franca, ou seja, da pedra que
pode ser talhada e esculpida... O "maçom franco" é, sobretudo, o
artesão mais hábil e mais competente, o homem que é livre de espírito e que se
libera da matéria por sua arte... Em numerosos textos medievais, o franco–maçom
é oposto ao simples pedreiro, que não conhecia a utilização prática e esotérica
do compasso, do esquadro e da régua".
Assim, pois, esses "maçons
francos" possuíam seus mistérios iniciáticos e suas técnicas do ofício
relacionadas com a construção, e expressavam na ordem concreta das coisas a
realização efetiva desses mistérios. Em grande medida, os maçons operativos
haviam herdado essas técnicas diretamente dos Collegia Fabrorum romanos, ou
seja, dos agrupamentos de construtores e artesãos cujas origens remontavam ao
legendário rei Numa. Assim como ocorreu com a Maçonaria, os Collegia Fabrorum
também recolheram a herança simbólica de tradições desaparecidas, a mais
notável das quais foi a tradição Etrusca, cuja cosmologia passou ao Império
Romano através desses colégios. É interessante ressaltar que os Collegia
Fabrorum veneravam muito especialmente ao deus Jano Bifronte, chamado assim
porque possuía dois rostos, um que olhava para a esquerda (ao Ocidente, ou lado
da escuridão), e outro para a direita (ao Oriente, ou lado da luz), abrangendo
dessa maneira o mundo inteiro.
Se bem que o simbolismo pertencente a esta
divindade romana seja bastante complexo, sabe-se com segurança que estava
relacionada com os mistérios iniciáticos, concretamente com os ritos de
"passagem" ou de "trânsito". Na Maçonaria operativa
medieval esses mesmos atributos passaram a fazer parte dos dois São João, cujo
nome é idêntico ao de Jano. Mais ainda: através dos Collegia romanos, a
Maçonaria recebeu (entre outras fontes de procedências diversas) a cosmologia
dos pitagóricos, baseada, como já se mencionou, nas correspondências simbólicas
dos números e da geometria, ciências e artes sagradas que precisamente têm na
arquitetura suas aplicações mais perfeitas. Entre os personagens conhecidos que
facilitaram esse trabalho de transmissão da cosmologia pitagórica (e também
platônica) ao período Medieval, merece destaque, no século VII, Boecio, chamado
o "último dos romanos" e autor da Consolação da Filosofia. Os estudos
de Boecio sobre astronomia, geometria, aritmética e música, foram realmente
decisivos para o enriquecimento das "sete artes liberais", divididas
no trivium e no cuadrivium, de suma importância nos ensinamentos da maçonaria
operativa.
Por outro lado, a filosofia de Boecio
influenciou notoriamente a literatura e o pensamento esotérico da Maçonaria
tradicional dos séculos XVIII e XIX, por exemplo, em autores como Louis Claude
de Saint Martin e José de Maistre. Seguindo com esta ordem de idéias, existiu
uma lenda difundida entre os maçons de língua inglesa, segundo a qual um tal
Peter Grower, originário da Grécia, trouxe aos países anglo-saxões determinados
conhecimentos relativos à arte da construção. Alguns autores, entre eles René
Guénon, afirmam que este personagem, Peter Grower, não era senão Pitágoras, ou
melhor, a ciência dos números e a geometria que através dos pitagóricos foram
introduzidas nas ilhas britânicas, ao mesmo tempo em que em todo o continente.
No mundo da Tradição muitas vezes os
nomes das pessoas, sejam históricas ou lendárias, designam, mais que os
próprios personagens, os conhecimentos que eles transmitiram e que, com
freqüência, se transmitiram por meio das escolas ou confrarias que fundaram. É
o que, de certo modo, ocorre com o matemático grego Euclides, que é mencionado
nos "Antigos Deveres" –Old Charges– (que representa uma série de
documentos e escritos da Maçonaria operativa onde foram definidos alguns
eventos relacionados com a história sagrada da Ordem maçônica). Em um desses
documentos, o manuscrito Regius, se faz alusão a Euclides como o
"pai" da geometria, enfatizando-se que esta não designa senão a própria
Maçonaria. Em outros manuscritos se diz que o mesmo Euclides foi discípulo de
Abraão, o que, do ponto de vista da cronologia histórica é totalmente sem nexo,
pois, como se sabe, Euclides viveu no Egito durante o século III a. C., e
Abraão aproximadamente dois mil anos antes. Mas, tendo em conta de que se trata
de história sagrada, e não simplesmente profana, o que em verdade se quer dizer
com esta lenda é que Euclides foi o discípulo que recebeu o saber que o
Patriarca encarnava, que era em si o monoteísmo hebraico em sua expressão
cosmogônica e metafísica.
Resumindo, em realidade tudo isso se
refere a uma transmissão de caráter sagrado efetuada da tradição judia para a
Ordem maçônica, o que equivale a uma autêntica "paternidade
espiritual". Seja como for, o legado da cosmologia greco–romana unida à
espiritualidade cristã, deu como resultado a criação da catedral gótica,
edificada pelos grêmios de construtores. Uma catedral, ou um monastério, é um
compêndio de sabedoria; nela, gravada na pedra, se materializam todas as
ciências e todas as artes, assim como os diferentes episódios bíblicos que
fazem a história da tradição judaico–cristã. Ali aparecem os diversos reinos da
natureza, o mineral, o vegetal, o animal e o humano, da mesma forma que as
hierarquias angelicais que circundam o trono onde mora a deidade.
Tudo isso converte a catedral, em um
livro de imagens e símbolos herméticos reveladores da estrutura sutil e
espiritual do cosmos. Essas colunas que se elevam verticalmente até outro
espaço, unindo a parte inferior (a terra) à superior (o céu), esses arcos e
abobadas que se assemelham a cristalizações dos movimentos circulares gerados
pelos astros, essa luz solar que ao penetrar através do colorido policromado
dos vitrais se transforma em um fogo sutil que a tudo inunda; todo isso,
dizemos, nos permite reconhecer a existência de um espaço e um tempo sagrados e
significativos. Este conjunto de equilíbrios, módulos e formas harmoniosas (que
por refletir a Beleza da inteligência divina se constitui em "resplendor
do verdadeiro", como diria Platão) se gera a partir de um ponto central,
que, por sua vez, é o "traço" de um eixo vertical invisível, mas cuja
presença é onipresente em todo o templo.
Este ponto central não é senão o "nó
vital" que promove a coesão do edifício inteiro, e para onde conflui e se
expande, como se tratasse de uma respiração, toda a estrutura do mesmo. Tal
"nó vital" era bem conhecido pelos mestres de obra, que viam seu
reflexo no umbigo, sede simbólica do "centro vital" do templo–corpo
humano. Essa estrutura do cosmos–catedral, imperceptível aos sentidos comuns,
se percebe graças à intuição intelectual e às formas visíveis do céu e da
terra, que estão simbolizadas pela abóboda e pela base quadrangular ou
retangular, respectivamente. Daí que a Maçonaria conceba o cosmos como uma obra
arquitetônica e, a divindade, como o Grande Arquiteto do Universo, também
chamada Espírito da Construção Universal em outras tradições.
Perto das catedrais em construção se
encontravam as oficinas ou lojas, nas quais se traçavam e desenhavam os planos,
se repartiam as obrigações, se falava dos detalhes da obra, e se celebravam os
ritos e cerimônias de iniciação. Estas oficinas eram autênticos centros de
ensino tradicional onde, além das técnicas do ofício, se transmitiam os
conhecimentos cosmogônicos. Realmente, nas oficinas maçônicas se conjugavam a
arte e a ciência, a prática e a teoria, seguindo assim o famoso adágio
escolástico segundo o qual a "ciência sem arte não é nada".
Cada Loja ou oficina estava sob a
autoridade de um mestre arquiteto, que tinha a suas ordens os oficiais
companheiros (divididos em sub-graus e funções), que por seu lado vigiavam e
dirigiam os trabalhos dos aprendizes. Esta estrutura ternária e hierarquizada
de aprendiz, companheiro e mestre se encontra com os mesmos ou diferentes nomes
unanimemente repartida em todas as organizações iniciáticas e esotéricas, pois
tal hierarquia expressa um modelo do processo iniciático íntegro, que reproduz
exatamente o desenvolvimento cosmogônico das "trevas à luz", do
"caos à ordem".
Um dos poucos testemunhos que se
conservaram dos desenhos realizados pelos maçons operativos é o álbum do
arquiteto francês Villard de Honnecourt, ao qual pertence também o traçado de
um labirinto, cuja forma é idêntica à de todos os labirintos iniciáticos: uma
série de dobras concêntricas que conduzem, depois de um longo trajeto que
começa na periferia, ao centro do próprio labirinto, ou ponto de contato com o
eixo vertical por onde se produz a comunicação com os estados superiores e a
"saída" definitiva do cosmos, ou seja, dos limites determinados pelo
tempo –e seu porvir cíclico– e o espaço.
Junto aos maçons operativos encontramos
os sábios alquimistas e astrólogos, perfeitos conhecedores das ciências da
natureza aplicadas como símbolos vivos do processo iniciático e regenerador.
Eles dotaram a catedral de numerosos símbolos baseados nas correspondências e
analogias entre o macro e os microcosmos, o céu e a terra, a divindade e o
homem, considerando-se os legítimos herdeiros da ciência sagrada de Hermes
Trismegisto. A "pedra bruta" que os maçons poliam e talhavam para a
construção, representava, como já dissemos, o mesmo que a "matéria
caótica" dos alquimistas: uma imagem da substância plástica indiferenciada
na qual estão contidas, em estado não desenvolvido e potencial, todas as
possibilidades de manifestação de um mundo ou de um ser. A pedra estava viva,
não era simples matéria inerte, e ao mesmo tempo, sua dureza e estabilidade
simbolizavam a imutabilidade e firmeza do Espírito. Em tudo isso, um detalhe
não deve passar desapercebido: os alquimistas tinham a Santiago, o Mayor, como
santo padroeiro, que junto com São João Evangelista (padroeiro dos maçons) e
São Pedro (fundador da Igreja), assistiu aos mistérios da Transfiguração de
Cristo no Monte Tabor. A partir de então, um "laço" fundamentado em
um "Segredo" devia unir, acima das diferenças formais, a todos
aqueles que estavam sob a proteção desses santos cristãos, uma mostra do que
foram as fraternais relações que se viviam durante as edificações das
igrejas–catedrais. Essa fraternidade entre alquimistas e maçons deveria
perdurar ainda até o século XVIII.
A liberdade de movimento de que gozavam
os maçons francos, facilitaria os intercâmbios de conhecimentos com outros
grêmios de artesãos, dentre os quais se destaca a chamada Companheirismo, que
agrupava diversos ofícios (entre eles os entalhadores de pedra e escultores), e
que, da mesma forma que os maçons, tinham seus graus e segredos de iniciação.
Dessa forma, esses intercâmbios se deram
com as diversas ordens monásticas e cavalheirescas. Não há que se fazer,
portanto, um excessivo esforço de imaginação para formar-se uma idéia do clima
espiritual que se respirava naquela fecunda e luminosa época. Poder-se-ia dizer,
sem temor de exagerar, que ali o saber não tinha fronteiras. E mais: a cordial
convivência existente entre as organizações iniciáticas e esotéricas, e aquelas
de caráter religioso e exotérico testemunhavam o vigor e a saúde da tradição.
Os cavaleiros templários, esses monges
guerreiros que eram também construtores e cujas regras foram inspiradas por São
Bernardo, mantinham sob sua proteção numerosas lojas maçônicas. E isso não deve
passar inadvertido, pois quando esta organização do esoterismo cristão desapareceu
como tal em circunstâncias sangrentas (devido a um acordo do sinistro rei
francês Felipe, o Formoso com o Papa Clemente V), essas mesmas lojas, sobretudo
as da Inglaterra e Escócia, acolheram em seu seio muitos dos templários
sobreviventes, que traziam consigo certos conhecimentos iniciáticos de sua
Ordem que acabariam por integrar-se definitivamente na estrutura simbólica e
ritual da Maçonaria . Digamos que dentre essas lojas merece destaque a Grande
Loja Real de Edimburgo, fundada pelo rei Robert Bruce, que se opôs à extinção
da Ordem do Templo combatendo ao lado dos templários.
É significativo que o ano de constituição
da Ordem Real da Escócia seja o de 1314 (ano em que se extinguiu a Ordem dos Templários),
e que esta teve como Loja Mãe a Ordem Heredom de Kilwinning, cujos alguns dos
rituais eram de inspiração templária. E esta palavra, heredom, significa
"herança", que é a mesma recebida pelos templários. Não existem
documentos escritos que atestem a realidade dessa herança simbólica, ainda que
seja evidente que ela aconteceu. Por tratar-se de transferências sagradas estas
têm lugar primeiramente no plano estritamente espiritual e metafísico,
concretizando-se no âmbito humano por mediação de individualidades (pouco
importa, neste caso, que sejam conhecidas ou anônimas) que as realizam de
maneira efetiva.
Um fio sutil e luminoso une o mundo
superior ao inferior, e o inferior ao superior, e a manutenção dessa
comunicação é uma das principais funções que sempre tiveram as organizações
tradicionais e iniciáticas. Recordemos, neste sentido, que a palavra
"tradição" procede do latim tradere, que significa
"transmitir" (e por extensão, herança), e transmissão de uma verdade,
voltamos a repetir, que remonta às próprias origens da humanidade, e que todas
as civilizações consideraram como a fonte de seu saber e cultura.
Essencialmente, os templários transmitiram à Maçonaria a idéia da edificação do
templo espiritual "que não é feito por mãos de homem" segundo a
mensagem evangélica. Tal idéia ficou materializada com a criação de certos
altos graus, complementares ao mestrado, de procedência templária.
Um dos mais notáveis, por sua riqueza
simbólica , é o grau de Royal Arch do Rito Inglês de Emulação. A Ordem do
Temple (ou do Templo), em seu núcleo mais interno era de essência johannica (da
mesma forma que a Maçonaria), pois se inspirava nos mistérios contidos no
Evangelho e no Apocalipse de São João. Dessa forma, os "Cavaleiros de
Cristo" tinham como uma de suas principais missões a proteção do Santo
Sepulcro e a manutenção das relações com a "Terra Santa", ou seja,
com o "Centro Supremo" ou "Centro do Mundo". Com o
desaparecimento do Templo, a Maçonaria tradicional (e aqui enfatizamos o
"tradicional"), do mesmo modo que a Ordem hermética da Rosa–Cruz,
continuaria mantendo para o Ocidente os vínculos com essa "Terra
Santa", também chamada em outras culturas de "Terra dos
Imortais" ou "Terra dos Bem-aventurados".
Durante o Renascimento encontramos a
mesma ausência de documentos escritos sobre as relações que o hermetismo
cristão e alquímico manteve com a Maçonaria. Graças à recuperação da filosofia
platônica, impulsionada na Itália por Marsilio Ficino e Pico da Mirándola, se
assiste, nessa época, a um novo ressurgimento da tradição e do saber hermético,
onde há que se incluir a Magia Natural e a Cabala cristã. Livros como De
Harmonia Mundi de Francesco Giorgi, a Cabala Denudata de J. Reuchlin, a Mônada
Hieroglífica de John Dee, e a Filosofia Oculta de Cornélio Agripa, entre tantos
outros, exerceram uma grande influência nos círculos herméticos de toda a
Europa. Em tudo isso há algo importante a assinalar: devido à fraternidade que
se criou no período Medieval entre os agrupamentos herméticos e os grêmios de
construtores, era perfeitamente normal que em uma época como o Renascimento –
onde o suporte de uma civilização tradicional estava já bastante debilitado –
esses vínculos se fortaleceram com o fim de salvaguardar os valores da tradição
e da doutrina.